Nosso entrevistado que faz uma pesquisa pioneira sobre sonhos lúcidos, Sérgio Arthuro Mota Rolim, é graduado em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2004), com iniciação científica na área de sono, memória e ansiedade. É mestre em Neurociências pela Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina (2007), trabalhando com a influência dos ritmos biológicos no sono e na memória. Concluiu seu doutorado pela UFRN, tendo como objeto os aspectos sócio-demográficos, cognitivo-comportamentais e neuro-psicológicos do sonho lúcido.
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Dr. Sérgio Arthuro Mota Rolim representa o Brasil, na área de pesquisa sobre a presença da consciência nos sonhos. |
1)Como os sonhos lúcidos poderiam auxiliar no estudo e/ou tratamento de alguns tipos de psicose? Que relação existe entre esse tipo de transtorno e a consciência nos sonhos?
Sérgio: Durante o sonho, o cérebro gera imagens e sons que não são decorrentes da estimulação vinda do ambiente (ao contrário do que acontece quando estamos acordados), o que é bastante semelhante as alucinações visuais e auditivas dos pacientes esquizofrênicos. Além disso, nossa capacidade de julgamento racional durante os sonhos está bastante diminuída (com a exceção dos sonhos lúcidos), pois acreditamos que as coisas bizarras que aparecem nos sonhos estão acontecendo de verdade, o que é bastante parecido com os delírios presentes na esquizofrenia. Dessa forma, vários trabalhos têm demonstrado que o sonho é um excelente modelo para o estudo da esquizofrenia. Assim, o estudo dos sonhos (lúcidos ou não) pode também nos ajudar a compreender melhor a psicose.
Com relação ao tratamento em si, ainda estamos apenas engatinhando… No entanto, eu e uma brilhante estudante de medicina que colabora comigo – Adara Resende – levantamos a hipótese de que seria possível que o sonho lúcido pudesse diminuir os delírios psicóticos durante uma crise. Isso aconteceria porque se o sujeito aprender a ficar lúcido no sonho, ele vai ser capaz de emitir um julgamento racional sobre a situação em que se encontra, o que poderia também acontecer enquanto o mesmo estivesse acordado tendo uma crise, ou seja, ele aprenderia a controlar suas alucinações e delírios, como acontece no filme “Uma mente brilhante”. No entanto, por enquanto, podemos apenas especular sobre essa possibilidade do sonho lúcido diminuir também os delírios, já que ainda ninguém testou experimentalmente essa hipótese.
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Adara Cabral Resende é estudante de medicina na UFRN e de iniciação cientifica no Instituto do Cérebro, com pesquisa em andamento sobre sonhos lúcidos. |
2) Uma perspectiva importante para o uso dos sonhos lúcidos é o tratamento de pessoas com pesadelos recorrentes, pessoas com depressão ou que passaram por algum trauma… pelo seu estudo que alternativas poderiam ser aplicadas, uma vez que o uso do sonho lúcido estivesse consolidado?
Sérgio: Acreditamos que estando lúcido num pesadelo, o sujeito pode tentar 3 coisas:
1 modificar o sonho = com controle sobre o conteúdo onírico, seria possível tentar transformar o pesadelo num sonho neutro ou até bom.
2 não ter medo do pesadelo = estando lúcido, o sonhador pode perceber que as ameaças que acontecem durante o pesadelo não trazem um perigo físico real.
3 acordar = é possível também acordar durante o pesadelo para acabar com o mesmo, apesar de que alguns autores acreditam que o ideal seria tentar compreender porque o pesadelo está acontecendo daquela forma, até para evitar ter outros.
3) Os sonhos lúcidos podem ser prejudiciais de alguma maneira?
Sérgio: Até agora nada leva a crer que o sonho lúcido em si possa ser prejudicial. No entanto, algumas pessoas não gostam de ter sonhos lúcidos. Na verdade, o que acontece com essas pessoas (até agora eu tive oportunidade de conversar com duas delas) é que elas ficam lúcidas num pesadelo, daí tentam acordar mas não conseguem, como se ficassem presas no sonho. É comum também a relação do sonho lúcido com a paralisia do sono, que é uma das piores sensações que podemos experimentar, pois acordamos e não conseguimos nos mexer.
chegou, que novas perspectivas de estudo mais lhe fascinam ou novas hipóteses
com as quais gostaria de se aprofundar?
testar se realmente o sonho lúcido é um estado de transição entre o sono REM e
o estado acordado. O experimento seria dar um estímulo sonoro (que pode ser uma
música por exemplo) durante o sono REM. Esse estímulo sonoro seria inversamente
modulado pela potência da frequência alfa, ou seja, começo com um volume bem
baixo e vou aumento com o tempo até que o indivíduo vai acordando e a potência
do ritmo alfa vai aumentando também. Quando isso acontecer, eu diminuo o volume
do som o que vai fazer com que o sujeito volte a dormir. Daí novamente eu
aumento o volume e assim sucessivamente, como o objetivo de deixar o sonhador o
mais tempo possível na transição entre o sono REM e a vigília. Se o sonho
lúcido acontecer realmente nessa transição, esperamos que dessa forma
consigamos induzir mais sonhos lúcidos.
lúcido seria através de estimulação magnética transcraniana (EMT). A EMT como o nome
diz, consiste em estimular áreas específicas do cérebro com pulsos de campo
magnético sobre o couro cabeludo, ou seja, de forma não invasiva. Em um
dos sujeitos que investigamos, observamos uma ativação na região frontal do
cérebro durante o sonho lúcido. Dessa forma, esses resultados sugerem que o
sonho lúcido também seria decorrente de uma ativação nessa região. Vários
trabalhos na literatura demostram que essa região está relacionada com a
auto-consciência e a formação da imagem corporal, logo faz sentido que a mesma
esteja ativada durante o sonho lúcido, que é caracterizado pela consciência de
estar sonhando durante o sonho. Como alguns trabalhos (inclusive o meu)
observaram que o sonho lúcido está relacionado com a região frontal do cérebro,
é possível que a estimulação dessa região durante o sono REM desencadeie um sonho
lúcido.
registrar com mais detalhes as áreas cerebrais mais relacionadas com o sonho
lúcido, como a Ressonância Magnética Funcional. A técnica de registro da
atividade do cérebro por RMF consiste em medir as pequenas variações no fluxo
sanguíneo em áreas cerebrais que estão sendo preferencialmente recrutadas por
tipos específicos de tarefas. Quando mexemos a mão (ou pensamos em palavras) há
um aumento do aporte de sangue para as populações neuronais mais relacionadas
com o processamento desses tipos de tarefas, sendo esse sinal (grosseiramente
falando) o que a RMF consegue medir. Poucos laboratórios hoje no mundo estão
fazendo esse tipo de pesquisa, sendo um deles no Instituto Max Planck de
Munique (Alemanha), onde dei palestra no ano passado sobre o meu trabalho, na
tentativa de conseguir uma bolsa de pós-doutorado.