Existe um momento em nosso sono, capaz de nos ludibriar com um realismo inacreditável. Trata-se do que é conhecido como “Falso Despertar”. Acredito que esse tipo de fenômeno, possui um potencial subestimado. Normalmente surge quando estamos próximos de acordar e é capaz de causar um grande impacto em nossas percepções. Nessa situação, acordamos, levantamos da cama, vamos ao banheiro, a cozinha, nos trocamos e vamos para a aula ou para o trabalho… para logo a seguir, percebermos que tudo não passou de um sonho.
Levantamos novamente, vamos a cozinha, trocamos de roupa e vamos para a aula ou para trabalho… para logo a seguir, perceber que tudo não passou de um sonho novamente?! E assim… isso pode se repetir numa espécie de looping por diversas vezes… Descritos pelo filósofo Thomas Metzinger ¹ como “sonhos extremamente realistas”, o Falso Despertar possui a capacidade de reproduzir ou emular a realidade com essa refinada fidelidade.
A dificuldade de saber que está sonhando
Diferente da média dos sonhos comuns, o falso despertar imita a realidade e justamente o ambiente no qual estamos dormindo, dificultando ainda mais a presença da consciência, mesmo para um experiente sonhador lúcido. Afinal, como questionar a própria realidade, dotada desse realismo tão fidedigno?
O Falso Despertar, de acordo com Stephen LaBerge², ocorre com alguma frequência, após sonhos lúcidos e isso pode trazer a ilusão de que estamos atravessando diferentes níveis de profundidade ou a ideia como no filme Inception – A Origem, de sonhos em camadas (sonho dentro de um sonho). LaBerge, identifica essa crença e que apesar de bem apresentada no filme, no qual os personagens são capazes de mergulhar em camadas de sonhos, gradativamente mais e mais profundas, de fato não se traduz em qualquer evidencia científica comprovada.
A importância do falso despertar
A razão em especial de voltar a esse tema – tratado duas vezes por aqui – provavelmente já tenha ficado evidente, mas devo ressaltar que está em função da possibilidade de explorar a reprodução da realidade do estado desperto com esse nível de fidelidade. Se considerarmos a natureza desse estado mental, capaz de iludir o mais experiente sonhador lúcido, podemos imaginar o quanto esse realismo talvez possa ser útil para futuros experimentos. Seria o caso por exemplo de atividades a serem realizadas nos sonhos, para pesquisas comparativas com o estado desperto. Pesquisas as quais, já acontecem há algumas décadas e sempre foram bem divulgadas nesse site.
Russel³ se utilizou do fenômeno dos falsos despertar para argumentar sobre a impossibilidade de provar que não estamos sonhando nesse exato momento:
“-Pode ser dito que embora ao sonhar eu possa pensar que estou acordado, quando eu acordo eu sei que eu estou acordado. Mas eu não vejo como nós podemos ter tanta certeza; eu tenho sonhado frequentemente que eu acordei; de fato por vezes seguidas, eu sonhei com isso centenas de vezes no curso de um sonho. (…) Eu não acredito que agora eu estou sonhando, mas eu não posso provar que eu não esteja.”(tradução minha).
Observando os experimentos e pesquisas supra-citadas que estão sendo realizados nas últimas décadas, envolvendo o uso dos sonhos lúcidos para aprimoramento de atividades com coordenação motora, fica bastante interessante pensar como um ambiente mental, como o Falso Despertar, pode proporcionar uma espécie de “Matrix” otimizada. Um lugar com uma ultra-realidade, capaz de rivalizar com o estado desperto e portanto, permitir os mais surpreendentes experimentos, com alto grau de precisão.
Referências Bibliográficas
1- METZINGER T; Windt J. The Philosophy of Dreaming and Self-Consciousness: What Happens to the Experiential Subject during the Dream State?In D. Barret & McNamara (Ed). The new science of dreaming: Volume 3. Cultural and theoretical perspectives, (pp. 61-8). Westport & London: Praeger Perspectives, 2007.
2- Stephen LaBerge – sobre sonhos em camadas (18’30”).
http://daniel.erlacher.de/index.php/Time_required_for_motor_activity_in_lucid_dreams
http://sonhoslucidos.com/sonhoslucidos/ultimas-descobertas-sobre-sonhos/
3 – RUSSEL B. Human Knowledge. Its Scope and Limits. London: George Allen and Unwin LTD. 1948. p. 186.