Entrevista com o psicólogo José Felipe Rodriguez de Sá

Nosso entrevistado, José Felipe Rodriguez de Sá é graduado em psicologia pela Universidade Salvador, com pós-graduação em Psicoterapia Analítica pelo Instituto Junguiano da Bahia. Trabalha como clínico na TRIA – Terapia & Consultoria, da qual é sócio-fundador. Também é fundador do Roundtable Mitológico, da Fundação Joseph Campbell em Salvador. Atualmente está cursando Mestrado em Família na Sociedade Contemporânea na UCSal, a Universidade Católica de Salvador.

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O pesquisador e psicólogo José Felipe Rodriguez de Sá realiza estudos na área de sonhos lúcidos.

         1. Quando foi que você ouviu falar de sonhos lúcidos pela primeira vez?

José Felipe de Sá: Foi no primeiro ano de faculdade. Decidi fazer um trabalho sobre sonhos e aí consultei a minha velha coleção “Mistérios do Desconhecido” da Abril/Time-Life. Foi lendo o volume sobre sonhos que descobri que eu podia controlar eles. A partir desse momento fui garimpar nos sebos os livros publicados no Brasil sobre o assunto, entre eles, Sonhos Lúcidos de Stephen LaBerge e Sonhos Criativos de Patricia Garfield. Foi nessa época que eu também comecei a trocar uma ideia com Sérgio Arthuro Mota-Rolim, professor e pós-doutorando da UFRN. Ele é, atualmente, o maior pesquisador de sonhos lúcidos no país.

    2. Você já teve algum sonho lúcido?

José Felipe de Sá: Tive vários…No mais marcante deles o cenário foi o meu apartamento atual. Saí voando do meu quarto para a sala de estar, e quando olhei pela janela percebi que o apartamento tinha ganhado uma varanda gigantesca de mármore que ficava flutuando no meio do ar. Eu aterrissei na varanda perto de uma vegetação luminescente… Pareciam aquelas plantas psicodélicas de Avatar. O que mais me assombrou nesse sonho foi a sensação física de tocar nas folhas– era como seu tivesse tocando numa planta de verdade.

     3. Para muita gente, falar em psicologia é ainda falar de Sigmund Freud. O criador da psicanálise escreveu alguma coisa a respeito dos sonhos lúcidos?

José Felipe de Sá: Sim. Na segunda edição de A Interpretação dos Sonhos (1909), Freud adicionou uma nota falando sobre a habilidade de controlar os sonhos. Ele volta ao tema em Conferências Introdutórias sobre Psicanálise (196-1917), onde  repete que o sonho pode ser controlado, mas apenas na sua camada mais superficial, a visual (ou “manifesta”). Já a camada mais profunda, inconsciente do sonho, não pode. Além disso, Freud tinha a percepção de que o “Isso é um sonho” – o gatilho que dispara um sonho lúcido – era uma atitude de defesa contra a revelação de alguma coisa ameaçadora para a consciência.

Original Caption: Sigmund Freud, 1856-1939, Austrian psychiatrist, in the office of his Vienna home looking at a manuscript. B/w photo ca.1930.
2. O neurologista vienense Sigmund Freud (1856-1939), criador da psicanálise, trabalhando em seu gabinete.

Concordo em parte com Freud, mas há outros pontos de vista a serem considerados. Os monges budistas do Tibete, por exemplo, há séculos praticam iogas que fazem os seus adeptos se conscientizarem de quando estão sonhando. O objetivo desse exercício é os fazer perceber que os sonhos também são Māyā– o mundo de ilusão criado pelos cinco sentidos. Ou seja: se para Freud o sonho lúcido era um tipo de fuga da realidade, para os budistas tibetanos é justamente o contrário: a lucidez onírica é mais um passo rumo ao Nirvana, a “realidade última”.

     4. Depois de Freud, mais algum psicólogo digno de nota que escreveu sobre sonhos lúcidos?

José Felipe de Sá: Sim, mas são pouquíssimos. Sándor Ferenczi, que era do “Comitê” secreto de Freud, escreveu um artigo sobre o que ele chamou de “sonhos dirigíveis”. Ela enxergo uma vontade de continuar no sonho, típica de quem acaba de descobrir as possibilidades criativas dos sonhos lúcidos, a fórmula freudiana do sonho satisfazer um desejo reprimido. Além de Ferenczi teve Ann Faraday e a supracitada Patricia Garfield. O livro de Garfield sobre sonhos lúcidos foi um best-seller na década de 1970.

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O psicanalista húngaro Sándor Ferenczi (1873-1933) foi um dos colaboradores mais próximos de Sigmund Freud. As suas obras completas foram publicadas no Brasil pela Martins Fontes.

     5. Porque os psicólogos tiveram pouco interesse pelos sonhos lúcidos?

José Felipe de Sá: Acho que foi porque os sonhos lúcidos, como campo de pesquisa científico, começou fora da psicologia. Basta ver a formação dos pioneiros da área: Celia Green é parapsicóloga, Charles Tart é psiquiatra, LaBerge é químico, etc. Tenho impressão que os psicoterapeutas também não enxergam o potencial clínico dos sonhos lúcidos na sua prática do dia a dia.

      6. Existem aplicações terapêuticas para os sonhos lúcidos?

José Felipe de Sá: Claro. Com certeza! Eu sei de pelo menos um estudo onde dois pesquisadores usaram os sonhos lúcidos no tratamento de pessoas que sofriam com pesadelos recorrentes. Com a aplicação dos sonhos lúcidos, os pesquisadores perceberam que não só a frequência dos pesadelos diminuiu, como teve também um aumento geral na qualidade do sono dos pesquisados.

7. Há pouco tempo um artigo seu sobre sonhos lúcidos foi publicado na Fractal, a revista de psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Você pode resumir o artigo para os nossos leitores?

José Felipe Sá: Quando comecei a ler sobre o assunto, percebi que os personagens dos sonhos lúcidos tendem a ser muito mais articulados do que as de um sonho comum. Isso me deixou intrigado;o que é que a teoria Junguiana poderia dizer sobre essa racionalidade “extra” dos personagens oníricos, já que o próprio Jung não escreveu uma linha sequer sobre sonhos lúcidos? Para tentar responder essa pergunta usei o conceito de Sombra – a parte reprimida de nossa personalidade – e a teoria dos complexos, que fala das “subpersonalidades” autônomas criadas por traumas que à vezes invadem a nossa consciência em situações difíceis.

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O psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) foi uma figura fundamental na história da psicologia. Aqui, Jung analisa um de seus símbolos favoritos – a mandala tibetana.

       8. Você ainda pretende pesquisar mais sobre esse assunto?

José Felipe de Sá: Esse artigo da Fractal é o primeiro de três trabalhos que vou escrever sobre sonhos lúcidos.O segundo vai ser uma comparação entre os sonhos lúcidos e a técnica Junguiana da Imaginação Ativa. O terceiro vai ser baseado nos escritos de James Hillman, criador da Psicologia Arquetípica e grande reformador do pensamento Junguiano. Em vez de interpretar sonhos, Hillman acredita devemos trabalhar os sonhos como se fosse uma espécie de massinha de modelar: tiramos uma parte daqui, modificamos dali e nessa brincadeira o inconsciente vai naturalmente preenchendo as lacunas. Ou seja: transformamos de novo o sonho numa coisa viva, no lugar de reduzi-loa algo inerte que vai ser fria e passivamente dissecada por especialistas. Para mim, essa perspectiva casa muito bem com as possibilidades infinitamente criativas que os sonhos lúcidos proporcionam.

       9. Uma mensagem final para os nossos leitores?

José Felipe de Sá: Obrigado pelo espaço cedido, Márlon. E aos leitores do blog, boa semana…E bons sonhos!

O artigo citado na entrevista pode ser encontrado aqui: http://www.scielo.br/pdf/fractal/v28n1/1984-0292-fractal-28-1-0146.pdf

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17 respostas

  1. Oi Marlos tudo bem?
    Então recomecei ontem a pesquisar sobre Sl
    Hj eu tive um, foi assim:
    Eu estava mexendo na torradeira, provavelmente iria tomar café da manhã, mas dai eu percebi que no próprio aparelho estava escrito alguma coisa parecida com”tradirw” em vez de torradeira. Inconformado, eu então me perguntei porque eu estava tomando café? Então percebendo que era um sonho, olhei para minhas mãos e puxei um de meus dedos. Ele se esticou como borracha. Eu fiquei maravilhado com a sensação de poder então sai lá fora e fui voar. Depois atravessei paredes, teletransportei. Mas o mais interessante foi que no espelho, eu puxei meu reflexo para fora e brinquei com ele. Foi muito legal. Só a coisa ruim foi que minha família estava brava comigo porque eu tinha superpoderes, não percebi se meu sonho era realista e a técnica da porta não funcionou. É uma coisa interessante!!!! Enquanto eu voava, eu consegui mexer minhas pernas na vida real!!!! Eu meio que vi minhas pernas e coloquei uma para fora da cama e quando eu acordei ela estava fora.
    Tchau e parabéns pelo blog!!!

  2. Olá Thomas, muito bacana teu relato. Seja sempre bem-vindo!
    Sobre a parte do realismo, tu quis dizer que não reparou se o cenário era mais fantasioso ou realista?
    O quê exatamente acontecia quando tu abria alguma porta?

  3. Boa noite, Márlon. Gostaria de saber a tua capacidade de recordação de sonhos por noite. A minha agora está alta(?). 5 sonhos, em média por noite. Parabéns pelo blog, gosto muito. Hoje é o meu 7 dia tentando e um dia desses quase fiquei lúcido…

    1. Há muita variação Guerreiro. Sempre será em função da nossa rotina. Quando não temos tempo para escrever no Diário, a quantidade e qualidade será menor. Nesse mês por exemplo estou com frequência muito alta(dia sim, dia não), porém, como tenho escrito pouco no Diário, a duração e qualidade da recordação diminuíram sensivelmente. Abraço e bons sonhos!

  4. Olá Márlon!
    Hoje está fazendo 18 dias que estou tentando ter estes tipos de sonho. Mas está meio complicado. Tenho o diário de sonhos(minha caiu de 4 a 5 sonhos para 2 😐 fazê o que né?), meio Tholey meio MILD e por aí vai. Reality checks uhuh eu faço. Mas, gostaria de um conselho teu para melhorar. Quem aí quiser dar conselho, à vontade.

  5. oi, tava pesquisando sobre sonhos lucidos e achei seu blog. Tive uma fase em que tive varios sonhos lucidos, embora na epoca nao conhecesse o termo e nem sabia que era possivel esse nivel de controle, mas lembro que eu sabia que sonhava e chegava a fazer coisas que eu queria fazer como voar. Depois dessa fase nunca mais tive inclusive ando sonhando ou me lembrando muito pouco dos meus sonhos e eh bem frustante dormir e nao sonhar. Existe alguma relaçao da ocorrencia de sonhos lucidos com fatores externos, tipo, momentos de stress ou fases da lua rsrsrs. Se eu tentar os metodos sugeridos, pode acarretar numa qualidade de sono pior, uma vez que meu sono eh ruim e alias tenho insonia e sempre demoro a pegar no sono. Queria muito ter a experiencia de novo.

  6. Êeeee Márlon! Eu de novo. Depois de 22 dias tentando, hoje consegui aquele estado de lucidez no sonho( graças a Iavé). Meu sonho durou bem. Nem fiz RC para descobrir o sonho. De uma hora pra outra já sabia que estava num sonho(estranho, né)
    Não vou relatá-lo aqui por que estou com preguiça de escrevê-lo. Mas a primeira coisa que procurei fazer foi: voar! No decorrer do sonho procurei uma porta, mas nem atravessar parede deu certo. Esfreguei as mãos(né?), rodopiei. Kkkk impressionante. Agora sinto mais confiante( Deus seja louvado!).
    Interessante, Márlon: um hábito demora cerca de 21 dias para se formar, quando fez 22 dias que eu tentava eu consegui. Legal, né…..
    :):)

  7. Olá, Márlon… Hoje, nesta noite tive outro sonho lúcido. Kkkkkk um após o outro, né… Porém, este foi muito curto, minha visão estava turva… Mas, pelo menos fiquei lúcido. ‎יהוה שבח‎!‎

    1. Parabéns Guerreiro! Meus últimos sonhos lúcidos, apesar de frequentes apresentam pouca duração. Um bom Diário de Sonhos atualizado e propósito, certamente irão tornar nossas experiências intensas novamente. Abraço e bons sonhos!

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